Explicação de um texto – Parte I – “Informação versus fake news”
“Explicar um texto é ir dando conta, ao mesmo tempo,
daquilo que o autor diz e de como o diz.”
CARRETER e LARA
Fernando Lázaro CARRETER e Cecília de LARA, em Manual de explicação de Textos (Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro), apresentam uma série de passos para o entendimento de um texto. Podemos nos valer desse estudo para alcançar a compreensão necessária a uma posterior interpretação.
Vamos acompanhar esses passos:
- Leitura atenta do texto
- Localização
- Determinação do tema
- Determinação da estrutura
- Análise da forma partindo do tema:
- aspectos fonéticos
- morfológicos
- sintáticos
- semânticos
LEITURA ATENTA DO TEXTO
O contato com um texto começa pela leitura atenta e a decodificação das palavras que o compõem. Se você estiver num espaço em que seja possível buscar o significado das palavras que porventura desconheça, é interessante fazer uso do dicionário. Caso você esteja se submetendo a um teste, procure entender o significado da frase como um todo e, dentro dela, deduzir o significado da palavra desconhecida. Leia mais de uma vez o texto em questão e o entendimento se tornará maior.
Lembre-se: você ainda não está interpretando; está buscando a compreensão do texto. A interpretação se dá num outro momento.
LOCALIZAÇÃO DO TEXTO
Você pode ter em mãos um poema; um trecho de um conto, de um romance, de uma crônica; uma carta; um texto científico; uma canção; um artigo de jornal ou revista; uma tira em quadrinhos…
Qualquer que seja o gênero, a origem, a finalidade do texto que lhe é apresentado, você deve localizá-lo, percebê-lo dentro do contexto, da situação que o caracteriza, do todo de que faz parte. Assim, você vai se aprofundando na compreensão do texto e na identificação de como se dá a sua elaboração.
DETERMINAÇÃO DO TEMA
Da determinação do assunto, podemos indicar o tema. Tema e assunto são tidos por muitos estudiosos como um só enfoque, um só registro. Assim pode ser considerado. No entanto, um olhar mais cuidadoso nos deixa perceber que o assunto vai sendo revelado em variados enfoques que, resumidos em algumas palavras-chave, vêm a constituir o tema.
DETERMINAÇÃO DA ESTRUTURA
Um texto é uma composição, não uma reunião de ideias soltas. Todas as partes de um texto se relacionam entre si. Tudo o que vem a compor um texto contribui para o desenvolvimento do assunto e a percepção do tema. Nada é supérfluo; tudo se soma e se completa.
O cuidado de quem escreve está, nesse momento, na escolha e na colocação dos termos, no emprego da palavra exata, no uso dos sinais de pontuação, no cuidado com a clareza e com a ligação que permita a continuidade dos argumentos ou das ideias apontadas.
Vamos, pois, aplicar essas lições em um texto para tornar mais fáceis as leituras futuras e automatizar o procedimento.
Informação versus fake news
CARLOS ALBERTO DI FRANCO*, O Estado de S.Paulo
22 de abril de 2019 | 03h00
- Proliferam notícias falsas nas redes sociais. Todos os dias. São compartilhadas acriticamente com a compulsão de um clique. Fazem muito estrago. Confundem. Enganam. Desinformam. A mentira, por óbvio, precisa ser enfrentada. O antídoto não é o Estado. É a poderosa força persuasiva do conteúdo qualificado. O valor da informação e o futuro do jornalismo estão intimamente relacionados. É preciso apostar na qualidade da informação.
- As rápidas e crescentes mudanças no setor da comunicação puseram em xeque os antigos modelos de negócios. A dificuldade de encontrar um caminho seguro para a monetização dos conteúdos multimídia e as novas rotinas criadas a partir das plataformas digitais produzem um complexo cenário de incertezas. Vivemos um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma baita oportunidade.
- É preciso pensar, refletir duramente sobre a mudança de paradigmas, uma vez que a criatividade e a capacidade de inovação – rápida e de baixo custo – serão fundamentais para a sobrevivência das organizações tradicionais e para o sucesso financeiro das nativas digitais.
- Mas é preciso, previamente, fazer uma autocrítica corajosa sobre o modo como nós, jornalistas e formadores de opinião, vemos o mundo e a maneira como dialogamos com ele.
- Antes da era digital, em quase todas as famílias existia um álbum de fotos. Lembram-se disso? Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros afetivos, a nossa saudade. Muitas vezes abríamos o álbum e a imaginação voava. Era bem legal.
- Agora fotografamos tudo e arquivamos compulsivamente. Nosso antigo álbum foi substituído pelas galerias de fotos de nossos dispositivos móveis. Temos overdose de fotos, mas falta o mais importante: a memória afetiva, a curtição daqueles momentos. Fica para depois. E continuamos fotografando e arquivando. Pensamos, equivocadamente, que o registro do momento reforça sua lembrança, mas não é assim. Milhares de fotos são incapazes de superar a vivência de um instante.
- É importante guardar imagens. Mas é muito mais importante viver cada momento com intensidade. As relações afetivas estão sucumbindo à coletiva solidão digital.
- Algo análogo, muito parecido mesmo, se dá com o consumo da informação. Navegamos freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersa a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado.
- Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.
- Jornalismo sem alma e sem rigor é o diagnóstico de uma perigosa doença que contamina redações, afasta consumidores e escancara as portas para os traficantes da mentira. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. Sobra jornalismo declaratório e falta apuração objetiva dos fatos.
- É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de aparência.
- A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.
- Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.
- Politização da informação, distanciamento da realidade e falta de reportagem. Eis o tripé que corrói a credibilidade dos veículos. A informação não pode ser processada em um laboratório sem vida. Falta olhar nos olhos das pessoas, captar suas demandas legítimas. Gostemos ou não delas. A velha e boa reportagem não pode ser substituída por torcida.
- A crise do jornalismo – e a proliferação de fake news – está intimamente relacionada com a pobreza e o vazio das nossas pautas, com a perda de qualidade do conteúdo, com o perigoso abandono da nossa vocação pública e com a equivocada transformação de jornais em produto mais próprio para consumo privado. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. O jornalismo não é máquina, embora a tecnologia ofereça um suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética.
- O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma. O consumidor precisa sentir que o jornal é um parceiro relevante na sua aventura cotidiana. Fake news se combatem com informação.
JORNALISTA. E-MAIL:DIFRANCO@ISE.ORG.BR
FASE 1.
Comecemos pela leitura atenta do texto. Talvez algumas palavras precisem ser explicadas.
- Proliferar – crescer rapidamente em número, propagar-se
- Acriticamente – sem senso crítico, sem análise
- Antídoto – remédio corretivo, substância que combate as toxinas
- Monetização – transformação em dinheiro
- Baita – muito grande; gíria
- Nativas digitais – recursos digitais criados no País
- Era bem legal – gíria
- Overdose – dose excessiva
- Equivocadamente – de modo errado, com engano
- Editor – quem seleciona e publica matéria de jornal, cinema, TV
- Simulacro – cópia malfeita, imitação malfeita
- Hermético – fechado, ininteligível
- Dogmático – doutrinário, que não admite o contraditório
- Veículo – no caso, o jornal, o veículo de imprensa
FASE 2.
Fácil é localizar o texto, não é mesmo? Um texto veiculado na imprensa on-line, ou seja, um artigo de jornal on-line. Publicação recente: abril de 2019.
FASE 3.
Vamos determinar o assunto e o tema de nosso texto. Esse trabalho se torna mais fácil se pudermos distinguir os segmentos que o compõem.
Já sabemos que todo parágrafo é uma unidade na composição de um todo. Às vezes, cada parágrafo determina um segmento; outras vezes, vários parágrafos juntos estabelecem um enfoque.
Voltemos à leitura:
- O parágrafo I aponta a relação entre as notícias falsas e suas consequências.
- O parágrafo II apresenta a dificuldade em encontrar um novo caminho após o advento das plataformas digitais.
- Os parágrafos III e IV advertem para a necessidade de reflexão e autocrítica.
- Os parágrafos V,VI e VII lembram aspectos dos registros de imagens e lembranças familiares feitos em tempos anteriores e na atualidade, destacando os equívocos cometidos na atualidade.
- O parágrafo VIII traça um paralelo daquela situação com a forma como se dá a informação nos dias atuais.
- A partir do parágrafo IX até o parágrafo XIV, o autor analisa a situação do jornalismo e os fatores que prejudicam sua credibilidade.
- Nos dois últimos parágrafos, XV e XVI, o articulista propõe procedimentos capazes de recuperar o “velho ofício”, como é chamado por ele o bom jornalismo.
Nota-se, a partir dessas constatações, que o assunto tratado por Difranco é, como alerta o título da matéria, o jornalismo frente às falsas notícias que vêm tomando conta das páginas virtuais em nossos tempos.
Qual seria a tese? Como recuperar o bom jornalismo? Como combater as fake news? Existem diferentes formas de expressar essa síntese, mas é essa a mensagem defendida no texto que nos foi apresentado.
ANÁLISE DA FORMA
(Isso, veremos em outra abordagem. Vale a pena nos debruçarmos com carinho sobre os recursos empregados por nosso autor.)