Um estudo das marcas do Regionalismo num fragmento de Vidas secas, de Graciliano Ramos

Um estudo das marcas do Regionalismo num fragmento de Vidas secas, de Graciliano Ramos[1]

Um texto narrativo se constrói num diálogo permanente com o todo que é apresentado ao leitor, registrando não apenas a fala do criador da obra de arte, mas as muitas vozes que se somam no universo social e histórico que ele se propõe retratar [2]. Registrar os fatos não se faz apenas com uma sequência de acontecimentos, com destaque para esta ou aquela personagem, este ou aquele aspecto da ambiência. A escolha da palavra exata, do termo específico, da expressão que pode salientar ou diluir uma sensação, uma percepção é o que dá colorido e verossimilhança à trama. A forma reveste o fundo, faz com que o leitor seja envolvido pelas palavras e pelos fatos apontados.

O trecho abaixo é parte do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos[3]:

As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira, os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.

Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.

Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.

Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.

Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido.[4]

O enfoque principal do texto é a seca. Nos parágrafos aqui apresentados, mais especificamente, destacam-se as agruras e esperanças da jornada de Fabiano e sua família de retirantes.

Vamos, agora, caminhar pelas relações textuais estabelecidas em seu processo de organização. Podemos, assim, não apenas compreender seu sentido, mas mergulhar, por meio de nossa leitura, num espaço de descobertas.

Como o autor garante a coesão do texto?

Observemos inicialmente os nexos (elementos que aproximam as várias partes do texto) de que se vale Graciliano Ramos na construção da narrativa.

Elisa Guimarães lembra que a rede de relações entre os vários elementos constitutivos de um texto forma um movimento de vaivém que permite captar o sentido do texto e determinar as unidades que o estruturam. [5]

Fácil é constatar-se a forma escolhida por Graciliano para marcar, no segmento destacado, a progressão textual, apoiada na sucessão cronológica dos fatos apresentados, forma essa que, aliás, acentua a progressão da própria narrativa, tecida com o aproveitamento da progressão temporal. As ações ali são listadas de forma sequencial, sem rodeios ou interrupções, marcando o ritmo da busca.

No desenvolvimento do texto, percebem-se segmentos, diferenças de enfoque que se sucedem e se completam. Podemos, para melhor observá-las, assim distribuí-las:

         segmento a) – de  As manchas dos juazeiros até … para não estragar força;

         segmento b) – de  Deixaram a margem do rio até … Baleia foi enroscar-se junto dele;

         segmento c) – de  Estavam até … tinham fugido.

O segmento a (As manchas dos juazeiros até … para não estragar força) desperta no leitor a cumplicidade com o sofrimento de Fabiano.

O primeiro período do parágrafo, iniciado com o sujeito, apresenta-se em ordem direta, o que vem a dar destaque para a presença dos juazeiros como sinal de esperança. Embora a palavra esperança apareça apenas no parágrafo seguinte, a ideia se transmite já a partir do sentido semântico dos verbos aligeirou (o passo) e esqueceu (a fome). O emprego de vírgula, e não ponto, separando/unindo a informação inicial (surgimento dos juazeiros) e a reação de Fabiano reforça a relação entre os fatos.

A esperança se manifesta nas informações do parágrafo seguinte ao que acima se comentou. Neste, a coesão gramatical se faz pela sequência de verbos em terceira pessoa do singular que remetem à personagem Fabiano, sem mencioná-lo diretamente. A predominância de orações coordenadas, no mais das vezes assindéticas (sem elementos de ligação), acentua as emoções primárias e a falta de complexidade de Fabiano. Fabiano aparece, aliás, de forma recorrente em vários nexos: “As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos (os dedos dele) rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares (os aqui significando seus/dele), duros como cascos, gretavam-se e sangravam”.

O segmento b (Deixaram a margem do rio até … Baleia foi enroscar-se junto dele.) expõe as ações desencadeadas pela vista dos juazeiros. O parágrafo se inicia com um verbo empregado na terceira pessoa do plural, remetendo o leitor ao conhecimento anterior de que Fabiano era acompanhado por sua família. A relação é contextual, mas não imediata. Uma sucessão de verbos também na terceira pessoa do plural leva o leitor a abranger todas as personagens nos movimentos que a esperança desencadeia.

O parágrafo seguinte vai listando as ações das demais personagens, agora incluídas e mencionadas.

Chama a atenção, nos segmentos analisados, a utilização de poucos adjetivos. Seu emprego é preciso e complementa as demais informações presentes nas orações. O mesmo não acontece no trecho que analisaremos a seguir. A organização que o autor escolhe para o parágrafo seguinte fará contrastar o novo momento da narrativa com o movimento de esperança que se construíra até aqui.

O segmento c (Estavam no pátio de uma fazenda sem vidatinham fugido) desenvolve a ideia de abandono. Acompanhemos os recursos criados pelo autor, para alcançar seu objetivo:

Estavam, forma verbal que localiza (determina o lugar em que se encontra) o sujeito da oração (Fabiano e a família, intencionalmente omitido, para dar mais ênfase ao verbo, mas que o emprego da terceira pessoa do plural evidencia). O significado do verbo estar, entretanto, não indica ação, não revela movimento. Na escolha desse verbo, revela-se uma interrupção da ação.

no pátio de uma fazenda sem vida. Verifica-se o contraste que surge da aproximação das palavras fazenda e sem vida: fazenda desperta a imagem de movimento e de agitação, de lugar em que se reúnem muitas formas de vida. Tal conotação é destruída, de forma brusca, pelo emprego da expressão sem vida.

O curral deserto… Observa-se aqui o mesmo recurso já empregado: o substantivo curral, com um sentido pragmático (significado + associação de ideias despertadas pela vivência, pelo uso, pela situação) de movimento, vida, quantidade de animais se entrechocando, é desmentido pelo adjetivo deserto.

O contraste é novamente utilizado em chiqueiro das cabras arruinado e também deserto. No adjetivo arruinado se esconde uma dupla impressão de abandono: dos animais que ali haviam habitado (reforçado pela expressão também deserto) e da mão humana que deixara de promover a recuperação do chiqueiro (e cuja ausência o deixara estar arruinado).

A mesma estratégia se repete em a casa do vaqueiro fechada: casa do vaqueiro carrega um sentido de convivência que é negado pelo adjetivo fechada, reforçando-se no tudo anunciava abandono. O pronome tudo, ao ser empregado para resumir a realidade adversa que cercava as personagens, adquire especial intensidade.

A coesão textual é tecida, entre outros recursos, pela reiteração de uma informação por meio do emprego de ideias sinônimas ou aproximadas. O autor o faz reforçando de diferentes maneiras uma mesma informação, a de que aquilo que representava vida fora destruído.

Significado especial adquirem os verbos da oração seguinte: Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugidofinar-se é morrer devagarinho, sem condições de luta (condição animal), fugir indica consciência da tragédia (condição humana), única diferença a distinguir homens e animais. [6]

A soma das impressões que a leitura atenta dos três segmentos possibilita permite compor três quadros que, somados, construirão a imagem maior que o fragmento do romance Vidas secas pretende transmitir. Essa imagem, por sua vez, encaixa-se no tema geral do romance que, como sabemos, enfoca a tragédia do homem e da natureza frente à seca do Nordeste (Empregamos o termo tema com o significado de ideia primordial que desencadeia o assunto).

[1] Este estudo é parte de minha dissertação de mestrado, O texto no espaço virtual: a leitura em rede, apresentado aqui revisto e adaptado ao objetivo desta publicação.

[2] BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: UNESP/ HUCITEC, 1988.

[3] RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 12 ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1965. Obs.: A grafia do texto aqui apresentado foi atualizada, com a eliminação dos acentos atualmente em desuso.

[4] RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 12 ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1965, p. 10-11.

[5] GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. Série Princípios, 8 ed. São Paulo: Ática, 2000, p.22.

[6] A análise que acima apresentamos é baseada no trabalho desenvolvido pelos professores Fernando Lázaro Carreter e Cecília de Lara, no Manual de Explicação de Textos, Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro.

O Romance Romântico e o Romance Realista

O Romance Romântico

Publicado originalmente na dissertação de mestrado O texto no espaço virtual: a leitura em rede, de Clarmi Regis

Destaque especial teve no movimento romântico a narrativa romanesca. Foi por meio dos romances que a Europa marcou seu reencontro com o mundo medieval em que repousavam as raízes das modernas nações europeias. Ali floresceram os ideais cavalheirescos que resgatavam na origem heroica a dignidade da pátria e se expressaram nos romances históricos. Encontram-se também as narrativas apoiadas no embate entre o Bem e o Mal, com a vitória do primeiro. No Brasil, o romance histórico se fez indianista na busca das raízes da nacionalidade (não esqueçamos que a independência há pouco alcançada legou aos intelectuais românticos o compromisso de construir a identidade nacional).

O primeiro romance bem-sucedido na história da literatura brasileira foi A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Seu reconhecimento se deve ao fato de ter sido a primeira narrativa centrada em personagens brasileiras, com ambiência local.

Os romances do período romântico foram construídos em torno de quatro grandes núcleos:

  • os romances históricos, voltados para as relações que fizeram o Brasil colônia;
  • os romances indianistas, no intento de estabelecer nossas raízes históricas, construíram-se em torno da idealização da figura do índio, transformado em herói nacional;
  • os romances urbanos, com ênfase nas relações amorosas, foram o espaço de revelação das preocupações burguesas, sua noção de honra e o significado do dinheiro nas relações estabelecidas;
  • o romance sertanista ou regionalista, voltado para o mundo rural, veio a ser a abertura para uma das temáticas mais significativas a se desenvolver na literatura brasileira nos movimentos literários que se seguiram ao Romantismo.

Embora encontrados em muitos dos escritores do período, os romances assim caracterizados foram cuidado especial de José de Alencar, que se propôs a, através de sua obra, representar o Brasil em todas as suas facetas.

O Romance Realista

Publicado originalmente na dissertação de mestrado O texto no espaço virtual: a leitura em rede, de Clarmi Regis

O romance realista assume características muito próprias, resultantes dos princípios cientificistas do período histórico em que foi cultivado. As narrativas da época revelam uma concepção materialista do homem. O escritor busca a caracterização dos tipos que cria, de forma a neles retratar os efeitos das pressões naturais e sociais, já que a visão determinista aponta o comportamento das personagens como decorrente de forças que escapam a seu controle. Aparecem tais relatos como resultado da observação, com características muito fortes e concretas.

A linguagem com que são construídos os textos é cuidada, correta e harmoniosa; a narrativa, lenta e voltada para minúcias.

Cuidado deve ser tomado para que sejam percebidos os elementos presentes nas narrativas realista-naturalistas capazes de distinguir as duas tendências. De forma resumida, pode-se afirmar que ambas partem da mesma vertente, mas, enquanto o Realismo se detém em detalhes comuns à natureza humana, o Naturalismo tende ao patológico, revelando o aspecto cruel de sua realidade.

O Romance

Publicado originalmente na dissertação de mestrado O texto no espaço virtual: a leitura em rede,  de Clarmi Regis

“Independentemente […] dos cenários ideológicos […], a narrativa não cessa de se afirmar como modo de representação literária preferencialmente orientado para a condição histórica do Homem, para o seu devir e para a realidade em que ele se processa; no sentido de sublimar tal orientação […].” [1]

O romance, ensina Angélica Soares, em Gêneros literários [2], é uma forma narrativa surgida na Idade Média, com os romances de cavalaria. Ao contrário da epopeia, que caracterizou a narrativa da Antiguidade Clássica e mesclava o destino da coletividade e o caráter heroico aos fatos históricos nela relatados, voltou-se o romance para o homem como pessoa.

Mantém-se, a partir de então, assumindo diferentes temáticas e sofrendo seguidas transformações, de sorte que hoje o encontramos revestido de crítica social, conteúdo histórico, narrativa impressionista, crítica de costumes, análise psicológica, realismo maravilhoso, aparecendo, até mesmo, em forma de romance-ensaio, mesclado à teoria literária. Recebeu especial tratamento durante o Romantismo. Embora nem sempre se possa identificar com clareza os elementos que estruturam um romance, ele se constitui apoiado no enredo, nas personagens, no espaço, no tempo e no ponto de vista da narrativa.

O enredo, ou intriga, é a organização dos acontecimentos que compõem a fábula na trama que lhes dá forma. Essa organização se faz em torno de um tema, elemento unificador da narrativa. Na organização do enredo desenvolvem-se momentos de descrições que assumem importância na caracterização de personagens, objetos, cenas e situações. As situações apresentadas nos romances tradicionais costumam organizar-se com uma apresentação, seguida de uma complicação que leva os fatos até um clímax, ao qual se segue um epílogo.  O romance contemporâneo, ao contrário do romance que se fazia até o século XIX, muitas vezes deixa de apresentar um capítulo conclusivo, razão pela qual se chama romance aberto.

As personagens dão sentido às ações que compõem a trama. Além do protagonista (personagem principal), das personagens secundárias, deve-se destacar o narrador como elemento de ficção, criado pelo autor e responsável pela relação com a coisa narrada segundo seu ponto de vista. Também o leitor virtual, o narratário, é personagem idealizada como aquele a quem se destina a narrativa.

O tempo é elemento sempre presente na narrativa, seja na organização formal em que os fatos se estruturam uns após os outros, seja na elaboração diegética (o enredo, a trama, tornados narrativa), ou, ainda, no tempo psicológico, no monólogo interior, nos flashes.

O espaço se constitui junto com o tempo como elemento ligado ao desenvolvimento do enredo. Pode aparecer como espaço físico ou espaço psicológico e se prende diretamente à ação das personagens.

[1] REIS, Carlos e LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de teoria da narrativa. Série Fundamentos. São Paulo: Ática, 1988, p. 68.

[2] SOARES, Angélica. Gêneros literários. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1989, p.42.

O Conto em Machado de Assis

Publicado originalmente na dissertação de mestrado O texto no espaço virtual: a leitura em rede,  de Clarmi Regis

Sônia Brayner nos informa que a produção do contista Machado de Assis se inicia em 1858 (com Três tesouros perdidos) e estende-se aos inícios do século XX, com a produção de quase 300 contos, publicados nos jornais e revistas da época. “O conto tornou-se em suas mãos matéria dúctil, com fisionomia reconhecível, na qual […] exercia a magia encantatória de suas variações sobre o tema predileto: a humanidade com seus vícios intemporais.[1]

Em Murmúrios no espelho, análise que apresenta os Contos de Machado de Assis, Flávio Aguiar aponta a diferença entre conto e romance: “O romance procura representar o mundo como um todo: persegue a espinha dorsal e o conjunto da sociedade. O conto é a representação de uma pequena parte desse conjunto. Mas não de qualquer parte, e sim daquela especial de que se pode tirar algum sentido […][2] E é um profundo sentido da flutuação dos valores éticos, da predominância de valores gastos e hipócritas, da acomodação do homem a interesses falsos, da irredutível passagem do tempo, das perdas morais, da decadência física, da presença da morte, da proximidade da loucura que Machado de Assis revela em seus contos.

Embora o conto literário já viesse se firmando no Brasil a partir de meados do século XIX, com Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, é com Machado de Assis que essa forma ficcional revela todas as suas possibilidades. Reconhecido como o maior prosador da literatura brasileira, a produção de seus romances marcada pela habilidade de construir textos mesclados da ironia nascida da observação da sociedade em que vivia, é principalmente como contista que se revela um narrador capaz de prender e conduzir a atenção de seu leitor.

Nos contos machadianos, revela-se uma sociedade habitada por seres solitários capazes de alcançar tão somente uma felicidade mesquinha. A vida desenrola-se como alguma coisa que escapa ao controle das personagens, alheia a suas vontades. A sociedade de convenções a todos esmaga e a eles impõe vidas inautênticas, vazias.

O contador de casos, que se distancia, numa postura literária de observador, e revela uma visão abrangente da sociedade do Segundo Império e da Primeira República, faz do leitor uma presença constante em suas narrativas. É como se a ironia que destila em seus períodos curtos e marcantes fosse resultante do distanciamento procurado para a observação e devesse ser partilhada com o leitor, com o qual divide observações e do qual cobra o mesmo não envolvimento. 

Sobre a ironia, ensina ainda Flávio Aguiar: “na ironia está uma das vigas mestras da arte de escrever contos, ressaltada pela urgência do pouco espaço […]”.[3]

Machado de Assis mostra extrema habilidade na elaboração de seus contos de observação e psicológicos, com foco narrativo autobiográfico, em que o ponto de vista da personagem narradora e suas motivações tornam-se exclusivas. A ironia vai-se expandindo não só na análise dos hábitos socioculturais da sociedade do Rio de Janeiro, mas na observação da própria natureza humana, apresentada em seus vícios e limitações permanentes. A apresentação das personagens atende ao desenvolvimento dessa que foi a sua temática mais constante e se projeta no aspecto psicológico que os revela.

Senso de observação, pessimismo, ironia, sensualidade e um inegável senso de humor com que equilibra o pessimismo são aspectos enfeixados em sua arte combinatória capazes de fazer de seus contos o que Alfredo Bosi chama de “um dos caminhos permanentes da prosa brasileira na direção da profundidade e da universalidade”. [4]

 

Sobre a realização do conto, tinha Machado de Assis o cuidado de não cansar o leitor. Mais: alertava para o processo de criação: “[…] É gênero difícil, a despeito da aparente facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor[5].

Quanto à execução formal dos contos de Machado de Assis, apresenta Sônia Brayner as variantes seguintes:

  1. desenvolvimento de um incidente marcante, com cronologia sequencial linear;
  2. análise de motivações psicológicas;
  3. adoção de formas literárias tradicionais, com intenção filosófico-moralizante;
  4. análise de um caráter.[6]

Raros são os contos anedóticos de Machado de Assis (Pai e mãe, A cartomante). Sua preferência estava em desenhar aspectos do psiquismo humano e revelar os valores desgastados de uma sociedade desencadeadora de comportamentos e situações equívocas.

Sônia Brayner alerta o leitor: “Saborear um texto machadiano não é uma tarefa ‘simples’: a leitura de reconstrução é complexa, pois envolve uma dupla decodificação – o que está sendo afirmado no nível da história e o que está sendo veiculado sobre um texto anterior na inversão quase sistemática proposta pelo autor[7].

OBS.: Você encontra toda a obra de Machado de Assis no sítio Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/?locale=pt_BR da Universidade Federal de Santa Catarina.

[1] BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, p. 8.

[2] AGUIAR, Flávio. Murmúrios no espelho. In: ASSIS, Machado. Contos. São Paulo: Ática, 1976, p. 6.

[3] AGUIAR, Flávio. Murmúrios no espelho. In: ASSIS, Machado. Contos. São Paulo: Ática, 1976, p. 6.

[4] BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. 10 tir. São Paulo: Cultrix, 1987, p. 203.

[5] ASSIS, Machado de. Obra completa. 2ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962, v. 3, p. 806, apud BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, p. 8.

[6] BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, 12.

[7] BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, p.14.

O Conto

Publicado originalmente na dissertação de mestrado O texto no espaço virtual: a leitura em rede,  de Clarmi Regis

Calcula-se que o hábito de ouvir e de contar histórias venha acompanhando a humanidade em sua trajetória no espaço e no tempo. Em que momento o primeiro agrupamento humano se sentou ao redor da fogueira para ouvir as narrativas fantásticas ou didáticas capazes de atrair a atenção e o gosto dos presentes e de deixar, no rastro de magia em que eram envolvidas, uma lição e/ou um momento de prazer?
O que se pode afirmar é que todos os povos, em todas as épocas, cultivaram seus contos. Contos anônimos, preservados pela tradição, mantiveram valores e costumes, ajudaram a explicar a história, iluminaram as noites dos tempos.
Leia mais

Gêneros parte 2 – Narrativa / Narração

Gêneros

NARRAÇÃO

A narração caracteriza-se por apresentar fatos (ação) que se desenrolam em determinado tempo e lugar, com a atuação de uma ou mais personagens.

A narração ou narrativa está presente no decorrer de toda a vida do indivíduo, seja no gosto de ouvir histórias, seja no prazer de contá-las.

Assim como comparamos a descrição a uma fotografia ou a uma pintura, podemos comparar a narrativa a um filme: enquanto o filme se vale de imagens e ambientações onde as personagens vivem suas histórias, a narração ou narrativa apresenta o desenrolar dos fatos, valendo-se apenas da combinação das palavras para criar cenários e apontar o tempo em que as ações se passam.

Leia mais

Gêneros – Descrição

Gêneros

Até aqui nos detivemos a observar o texto dissertativo. Vamos enriquecer um pouco mais nosso horizonte e olhar de perto outros gêneros que o dia a dia nos apresenta.

DESCRIÇÃO

A descrição é um retrato verbal, ou seja, é um retrato feito com o emprego de palavras – a descrição diz como os seres são (características, elementos particularizantes, elementos constitutivos, etc.).

Leia mais

Detalhes interessantes

Voltados para o bem-redigir, podemos prestar atenção às observações da jornalista Ludmila Souza. Sua indignação resulta da inadequação no emprego das palavras.

11 de janeiro de 2018 Florianópolis

Na minha lista de desejos jornalísticos para 2018, continuam em alta os seguintes itens – mas não só esses:
– o uso correto do verbo acessar (é verbo exclusivo da informática). Acesso é estrada, mas não é acessada. Para acessar qualquer coisa precisa-se de computador e modem (ou wi-fi).
– o uso correto do verbo iniciar. Pura regência (verbo transitivo direto).

Leia mais

Problemas de construção de frases

É PRECISO TOMAR CUIDADO

Problemas de construção de frases

Temos a seguinte ordem de colocação dos elementos que podem ocorrer em uma oração : sujeito verbo complementos adjunto adverbial

Podem ser identificados cinco padrões básicos para as orações formadas com sujeito na língua portuguesa (a função aqui apresentada entre parênteses é facultativa e pode ocorrer em ordem diversa):

Leia mais

Dissertação/Argumentação

É preciso que você organize seu projeto de dissertação/argumentação.
A partir do assunto proposto, você se questionará sobre o objetivo que seu texto quer alcançar – a linha de raciocínio que pretende desenvolver e que norteará toda a argumentação.

 

COMO FAZER? 

A dissertação/argumentação se estrutura em três momentos: introdução, desenvolvimento e conclusão.

Nessa estruturação, faz-se, primeiro, a apresentação do assunto a ser discorrido (tese); em seguida, desenvolve-se a argumentação – em que o assunto é explicitado, os argumentos são apresentados – ; terminando-se por uma observação final, um encaminhamento ou uma proposição que aponte para novas ideias ou possibilidades.

Leia mais

A organização do texto

A fala e também o texto escrito constituem-se não apenas numa sequência de palavras ou de frases. A sucessão de coisas ditas ou escritas forma uma cadeia que vai muito além da simples sequencialidade: há um entrelaçamento significativo que aproxima as partes formadoras do texto falado ou escrito. Os mecanismos linguísticos que estabelecem a conectividade e a retomada e garantem a coesão são os referentes textuais. Cada uma das coisas ditas estabelece relações de sentido e significado tanto com os elementos que a antecedem como com os que a sucedem, construindo uma cadeia textual significativa.

Leia mais

Qualidades necessárias a um bom texto

 

1 – Como conseguir unidade

  • Use sempre que possível tópico frasal explícito.
  • Evite pormenores impertinentes, acumulações e redundâncias (eles abafam a ideia principal).
  • Frases entrecortadas frequentemente prejudicam a unidade do parágrafo; selecione as mais importantes e transforme-as em orações principais de períodos menos curtos.
  • Ponha em parágrafos diferentes ideias igualmente relevantes, relacionando-as por meio de expressões adequadas à transição.
  • O desenvolvimento da mesma ideia-núcleo não deve fragmentar-se em vários parágrafos; mantenha-as num só parágrafo.
  • Não se afaste da ideia expressa no tópico frasal.

Leia mais

O Parágrafo e o Tópico Frasal

O parágrafo é uma unidade de composição em que se desenvolve determinada ideia central, ou nuclear, a que se agregam outras, secundárias, intimamente relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela. Othon Moacyr Garcia

O parágrafo é uma unidade de composição

  • O parágrafo não tem limite de tamanho, tem limite de abordagem. Nele só cabe uma abordagem do assunto desenvolvido.
  • Aumentar o preço dos cigarros para desestimular o consumo é uma das principais estratégias para combater os danos causados pelo tabaco. Para conseguir esse efeito, os governos elevam os impostos cobrados pelo produto – uma medida que não costuma ser muito bem-vista entre a população e as empresas do setor, mas que estudos já mostraram ser altamente eficaz. Estima-se que 40 milhões de pessoas deixariam de fumar se cada região do mundo subisse, em média, em 10% o preço de venda.  Agora, um novo estudo investigou implicações ainda mais profundas de tornar o cigarro mais caro: a prática pode diminuir a mortalidade infantil. http://epoca.globo.com/saude   Acesso em 22/setembro/2017

Leia mais

Vamos agora redigir

Aprendendo a planejar

ORGANIZANDO O TEXTO

  • ASSUNTO
  • DELIMITAÇÃO DO ASSUNTO
  •  OBJETIVO

 

ASSUNTO

  • Quem escreve, escreve motivado por uma necessidade de expor ou comentar alguma coisa, por uma emoção, por algum fato que lhe despertou interesse, enfim, escreve sempre a respeito de alguma coisa.
  • Há uma razão para que alguém escreva, há uma tese a ser defendida ou refutada, há um tema a ser desenvolvido por intermédio de um assunto ou um assunto interessante a ser apresentado.

(Você deve ter notado que tese, tema e assunto são diferentes formas de denominar o motivo central que direciona a elaboração de um texto.)

Leia mais