13. Vida “Sedentária”
Botou a roupa na máquina e, quando reunia o lixo, percebeu o estrago que o cachorro fizera, durante a noite, em seu canteiro de margaridas. Recolhendo as flores e os talos macerados, ruminava a vontade de lhe dar umas chineladas: “Você vai ver, quando eu o encontrar…”
Abaixada como estava, só pôde sentir o impacto das patas do animal que chegara correndo, e agora lhe lambia o rosto, abanava a cauda e saltava ao seu redor. Repreendendo-o, carinhosamente, caminhou ao encontro do menorzinho que, descalço, vinha em sua direção com uma caixa nas mãos e um rastro de leite sob os pés.
O apito da leiteira convocou a família para a reunião mesclada de risos, gritos, cheiros e sabores que compunham o café da manhã. Embaixo da mesa, o gato disputava espaço com os pés dos três meninos. “Mãe, o João está empurrando a minha perna.” “Não estou, não! É o Frajola. Ele me empurrou também.”
“O Papai já foi para o trabalho dele, e nós vamos fazer os nossos trabalhos. Vão ver os seus deveres. A mesa está pronta para vocês estudarem, vamos lá?! Eu vou arrumando as camas…”
A varredura da casa era interrompida de quando em quando, para mexer as panelas, ajudar no cálculo de um mínimo múltiplo comum ou na escolha de uma figura. “Mãe, a Júlia ’tá me atrapalhando!…” “Só tô pensando alto.” “Pense baixo, então.”
“Mãe, eles não querem brincar comigo.” “A gente não terminou os deveres, e ele só fica incomodando.”
“Vem, Vicente, a mamãe brinca com você. De que vamos brincar?” “Vamos jogar bolica. Quero ganhar todas!”
“Mãe, ô Mãe, corre aqui, Mãe. O Bingo correu atrás do Frajola; o Frajola subiu na árvore para fugir do Bingo e não consegue mais descer.”
“Deixa, filha, daqui a pouco ele desce. A Mamãe precisa terminar de pendurar a roupa.”
“Não desce, não, Mãe! O Joãozinho subiu para ajudar, e agora estão os dois trancados no galho lá em cima.”
“Meu Deus! Me ajuda aqui, Julinha. Vamos pôr a escada, e a Mamãe sobe, para ajudar os dois. Vamos lá, ligeiro! Já vai, já vai, filhinho.”
“Apressem-se. Não podemos nos atrasar. A Mamãe tem hora para chegar ao serviço e tem que deixar vocês na escola primeiro. E, não esqueçam: quem apanha vocês hoje é o Papai. A Mamãe tem uma consulta com o médico.”
“Exercícios? Não, não faço.”
“Academia? Ah! Não dá tempo, não. Eu atendo a casa, os meninos e trabalho fora.”
“Não é a mesma coisa… Sei…”
“Caminhar? Mas, doutor, eu dou aula a tarde toda. Em pé. Professor quase não senta, a gente fica em pé, explicando, caminhando junto aos alunos, atendendo no recreio… Quando chego em casa, depois de organizar tudo, alimentar os bichos, molhar as plantas, pôr os meninos pra dormir, não tenho mais forças para caminhar. E nem dá tempo. Já é sempre tarde. E, ainda, tenho as aulas para preparar, os cadernos para corrigir… Não, não consigo não…”
Quando Estela sai do consultório, levando nas mãos uma dezena de requisições e encaminhamentos, o médico termina de preencher o prontuário e acrescenta uma observação final, em destaque, caixa alta, sublinhada: VIDA SEDENTÁRIA .