10. Quiridu

10. Quiridu

“É aqui, né quirida?!” Assim o taxista anuncia minha chegada ao destino.

Somente quem nasceu em Florianópolis ou nela viveu por muito tempo consegue entender a importância de quiridar-se – verbo criado pelo professor Júlio de Queiroz, grande conhecedor da alma manezinha.

Sejam íntimos ou recém-conhecidos, todos aqui se quiridam. Iniciando a conversação, a palavra serve de chamado e inclusão. O interlocutor deixa de ser um estranho para se tornar parte de uma conversação. Colocada no final de uma observação, a expressão dulcifica e aplaca a dureza que possa acompanhar a fala. Dá a deixa para a mensagem do outro e informa que ali está alguém pronto a ouvir.

Quiridu, além de um coringa na organização do pensamento, é também expressão que revela o caráter de uma população. O florianopolitano não faz da agressividade um elemento comum a seu cotidiano; procura atenuar os revezes com os matizes da cordialidade. A substituição das vogais e e o pelos sons i e u obrigam a uma diferente cadência na emissão dos sons, que se atenuam e envolvem o receptor numa atmosfera de cumplicidade.

Suavizada, a palavra não reveste, porém, uma declaração, uma cantada, sinal que permita qualquer intimidade ou aproximação amorosa. Quiridu é vocativo a facilitar a conversação e a convivência. Muitas vezes tido como ingênuo, o manezinho se revela/protege numa deliciosa linguagem que cabe ao visitante incorporar.

“O manezinho usa essa fala gentil, mas fica na superficialidade: as relações não se aprofundam” é a queixa de muitos. Nesse caso, sendo verdade, quiridu funciona como armadura, escudo, proteção. Quiridu é a mão que, ao mesmo tempo, estende-se para o diálogo e marca o espaço até onde é permitida a aproximação.

O conhecimento mútuo e a convivência vão derrubando os medos, criando laços e permitindo ao visitante ou arrivista ver o nativo desprovido de máscaras e cuidados. O estranho conhecerá então a compreensão e a hospitalidade, o carinho e a lealdade mesclados a um senso de humor que descamba para a ironia e o deboche. Poderá, aos poucos, habitar o mundo mágico povoado de bruxas e segredos em que vive o manezinho e que tanto fascina o catarinense.

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