9 . Latinidad

9 . Latinidad

“Falar castelhano é fácil. Somos todos vizinhos e crescemos ouvindo nossos hermanos.” Assim pensava eu e defendia meu ponto de vista sempre que o assunto aparecia nas conversas.

Leio e traduzo textos em espanhol e compreendo com facilidade tudo o que nossos vizinhos dizem. Faço questão de ver sem legendas filmes espanhóis ou latino-americanos. Daí minha convicção.

Precisei pensar com mais vagar e rever essa convicção quando me inscrevi num curso on-line de uma universidade portenha. Ler as orientações foi quase natural – dúvida nenhuma. O encontro com os textos, longos e interessantes, com informações claras e vocabulário preciso, fluiu com prazer e segurança. Nem me dei conta de que não lia em português.

Começaram, a seguir, as postagens e a redação dos trabalhos solicitados. Com elas, veio o susto: “Escreve-se com v ou b? b larga y b curta … Oh! Céus!…” “Sei, sei… se usa la e antes de palabras que empiezan por i e hi.”

“Acentos? Meu Jesus Cristinho! El e él, mi e , se e . Preciso acertar.” “Não esquecer: as sobresdrúxulas são acentuadas.”

“E os ditongos? Quando aqui a palavra tem ditongo e você pensa que lá também deve haver, nada disso ocorre (noite – noche, leite – leche); quando se dá o contrário, e, nas formas espanholas, aparecem ditongos, aqui não aparecem (convierte, juega, habiendo). Por que não entram logo num acordo?” On a besoin de nos rendre et accepter… “Não, isso é francês! Como posso confundir?”.

Esforcei-me; dei conta da primeira tarefa – pequena. Mas devo confessar que levei um tempo enorme nesse esforço. As leituras continuaram agradáveis e isso me renovava a confiança.

Iniciou-se então a segunda parte dos trabalhos. Sentei-me disposta a dar conta do solicitado: de um lado, uma gramática de espanhol, do outro, um dicionário bilíngue. Lá fui eu, enterrada nas boas intenções. Ia escrevendo, um tanto por associação, outro tanto por conhecimento, consultando aqui, retocando ali, cada vez mais consciente de minha incompetência: português e francês invadindo meu espanhol.

Lembrei-me de uma conhecida, vinda da Espanha para o Brasil, que certa vez me confidenciara: “Eu falava francês com fluência; depois que comecei a estudar português, o francês foi desaparecendo, e o português ocupando o seu lugar”.

No auge da concentração, veio-me um sunt estarrecedor: “Não, latim, não!” Há décadas meu conhecimento de latim estava enterrado em minha infância. Voltei ao texto por mim desenvolvido, e lá estavam dubitatio, petitum e humanus brilhando como fantasmas. Não podia faltar um toque romântico, é claro: Gli studi hanno evidenziato che

Para meu desespero, encontrei também: largos ensayos – “Deus!, encompridei as experiências!”; mostrador del reloj – “coloquei um balcão no relógio!”; crianzas en escuela – “chamei as crianças de criações!”.

Confundi ainda conozco com en nuestra compañia e fiquei sem saber o que de fato conheço.

Com o susto, a percepção: “Este sonho não posso realizar. Jamais vou conseguir falar com meus amigos argentinos em sua língua, tampouco escrever em espanhol”. Em minha cabeça tudo se mistura e não consigo isolar o espanhol.

Ah! Essas línguas latinas tão imbricadas em nossas mentes!

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