4 . Cinema de bairro
As salas de cinema estão hoje confinadas em shopping centers e deles adquiriram a frieza e o anonimato: sala 1, 2, 3, 4, 5… Com isso, distanciaram-se de seu significado mais profundo: apresentar-se como ponto de confluência de toda uma comunidade.
O cinema do bairro ou das cidades pequenas revestia-se de glamour e proporcionava a seus frequentadores a dose necessária de magia e encanto para vencerem a semana à espera do novo domingo e novas emoções.
Ali se dava o encontro das crianças, dos jovens, dos adultos, em diferentes momentos. As sessões matinais reservavam-se para os pequenos com a apresentação dos aguardados filmes infantis – os animados desenhos e as aventuras da Chita, da Lassie, de Flipper e de Willy, de Oscarito e Mazzaroppi.
Na sessão da tarde, impunham-se os faroestes e a barulhenta presença dos adolescentes. Ecoam ainda, vindos do passado, os assobios e o batuque dos pés nervosos no assoalho de madeira, resultado da torcida que acompanhava as lutas e os momentos mais marcantes da fita. Todo esse movimento era antecedido pela venda e/ou troca de revistas em quadrinho feita pelos moleques – muitas das publicações trazendo os mesmos heróis do filme do dia, o que as tornava mais valiosas – comércio em que, em geral, levantavam o dinheiro necessário para o ingresso e as despesas da tarde.
As duas sessões noturnas dos domingos eram marcadas pelas longas filas para a compra dos tíquetes e também para a entrada na sala de exibição. Nas filas aconteciam os encontros, as conversas, o balanço das notícias da cidade, confirmando-se ou desmentindo-se as fofocas da semana. Fazia-se a atualização dos fatos ocorridos, visualizavam-se os últimos lançamentos da moda exibidos pelas mais aquinhoadas.
Ali também se iniciavam relacionamentos: o rapaz chegava até a fila em que estava a moça com dois ingressos na mão e dizia para o alvo de sua conquista: “Já comprei para nós dois” e a tirava do grupo de espera. Claro está que ele se sentira autorizado ao gesto pelos olhares trocados durante o footing que antecedia a ida ao cinema ou por uma exagerada autoconfiança.
Quando era apresentado um filme de longa duração, os clássicos da época – Bem Hur, E o Vento Levou, Sansão e Dalila, Assim Caminha a Humanidade… –, dava-se um intervalo de quinze minutos no meio da apresentação. O tempo já esperado era aproveitado pelos frequentadores para expressar opiniões sobre a qualidade da ficção, trocar de lugar para aproximar-se de um conhecido ou de uma paquera. Compravam-se balas e chocolates. Poucos iam ao banheiro. Era um momento de encontro e alegria, não de dispersão.
As comédias permitiam o riso coletivo; os dramas levavam às lágrimas e à catarse do grupo ali reunido, irmanado num mesmo sentimento; os filmes românticos eram vividos como se realidade fossem.
Quando se acendiam as luzes, a sala se enchia de sussurros abafados pelas músicas que acompanhavam a saída. Nos rostos, o reflexo dos momentos vividos, os restos do riso ou das lágrimas. Bêbados ainda das paixões colhidas da tela e sentindo cada um a emoção de viver um amor secreto, agrupavam-se na rua os frequentadores antes do retorno a casa ou de uma última escapada ao bar mais próximo.