3 . As vacas de Lori
A viagem seria longa. Horas de estrada. Acomodei-me em meu lugar ao lado da janela com a intenção de aproveitar o tempo e terminar a leitura iniciada pela manhã.
Aproximou-se então aquela figura, ao mesmo tempo doce e enérgica, e sentou-se a meu lado. Permanecemos em silêncio enquanto o ônibus deixava a rodoviária e avançava em meio ao pesado trânsito de fim de tarde.
Embora os relógios marcassem quase oito horas, o dia ainda teimava em segurar o sol. Os raios, agora enviesados, incidiam no vidro e repousavam sobre o rosto de minha companheira de ocasião.
Perguntei-lhe se ela queria que eu fechasse a cortina, e ela respondeu-me sorrindo: “Já vai passar. Isso é resultado deste horário de verão que deixa a gente louca: é noite, mas não é noite. Até as minhas vacas estão atrapalhadas, coitadinhas. Quando eu chamo para tirar leite pela manhã, elas vêm bem devagar, com carinha de sono. Vejo que estão confusas porque são cinco horas, mas ainda está escuro. Fazer o quê?”
“Ah! Você tem vacas?!”, comentei.
“É! Só trabalho com leite. Faço coalhada, requeijão, queijo… Vendo de tudo um pouco.”
Com expressão carinhosa, continuou: “Minhas vacas são minhas amigas. Todas têm nome e respondem quando eu falo com elas. Elas sabem seus nomes e não se confundem. São onze vaquinhas: a Neve, a Malhada…” e continuou a nomear suas amiguinhas.
“Sou eu que faço os partos das minhas meninas. Cuido como filhas. Os terneiros machos ficam com meu irmão; eu fico com as fêmeas.”
Passou a enumerar fatos e situações de sua vivência com os animais que ela tanto amava e que garantiam sua qualidade de vida: “Criei meus quatro filhos só com o meu trabalho com o leite. Meu marido sempre diz que foram as vacas que garantiram a universidade dos meninos”.
Acabei aprendendo um bocado sobre cuidados com o gado, suas necessidades, sua capacidade de comunicação. A empatia que ela desenvolvia com cada uma de suas vaquinhas tornava-as membros de sua já numerosa família.
Por fim, entre curiosa e apreensiva, fiz-lhe a pergunta: “E o que você faz quando elas ficam velhinhas?”
“Ah! isso não é problema: eu vendo para o matadouro de um amigo nosso!”