14. O rato

14. O rato

Primeiro ele deixou sinais de sua passagem: pequeninas fezes e manchinhas de urina, em meio aos frascos, sobre a cômoda.

Com o passar das semanas, a visita se tornou diária, e os sinais foram aparecendo em outros pontos do quarto.

Alguma coisa precisava ser feita. Como sou vegetariana e vivo a defender os mamíferos – nossos irmãos, também eles amamentam suas crias –, me vi frente a um dilema: “Como tirar o rato de dentro de casa sem fazer-lhe mal?”

Abri a casa toda. Deixei escancaradas as janelas do quarto até a noite. Coloquei pedacinhos de pão do peitoril da janela mais próxima ao balcão até o chão da parede externa. Na manhã seguinte, lá estavam novamente as provas da invasão.

Meu visitante foi ficando mais íntimo. Já passeava pela casa e se deixava ver – um ratinho minúsculo, simpático e ligeiro. Assim ficou mais difícil o combate. Eu já estava quase a considerá-lo membro da família, bicho de estimação, como meu cachorro e meus gatos.

Precisei recuar ao ver os cenhos carregados dos demais integrantes da família. Cheia de remorsos, fui até a agropecuária à procura de orientações. Saí de lá com um pozinho alaranjado: “O bicho come e morre em poucas horas”. “Céus! Vou matar um mamífero! Pior ainda, um mamífero que mora na minha casa, que já me conhece e parece confiar em mim!”

Procurei me consolar pensando: “A vida não é perfeita. Nem sempre podemos agir da forma mais justa…”

À noite, misturei o pó com pedacinhos de pão e os deixei no caminho já marcado pelos excrementos do meu hóspede. Passaram-se os dias. As migalhas permaneciam no mesmo lugar em que eu as deixava, e o ratinho, correndo pela casa.

Entre a alegria e o espanto, já estava eu a aceitar o inevitável – “o rato não vai morrer e vai morar conosco daqui em diante”–, quando uma amiga me presenteou com um veneno infalível que usara em sua casa.

Frente à experiência anterior, não acreditei que o tal veneno produzisse qualquer resultado. Repeti o ritual anterior – migalhas com pozinho – e esperei.

Passados alguns dias, o rato desapareceu. Uma busca em toda a casa resultou inútil: nem sinal do bichinho. Como eu mantivera a casa e as janelas abertas o quanto possível durante todo esse tempo, consolei-me um tanto aliviada: “Ele fugiu. Foi embora”.

Passaram-se os meses. Esqueci-me do rato visitante. Chegou o período de preparação para o Natal e o Ano Novo. Casa limpa, jardim aparado, flores renovadas, hora de colocar os enfeites, preparar o presépio, sentar o Papai-Noel no cadeirão.

Tudo providenciado, fui buscar o Bom Velhinho lá onde ele espera o ano inteiro para alegrar nossas crianças.

Entre o susto e a tristeza, encontrei o meu ratinho morto, seco entre as barbas do Papai-Noel.

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