1 . Amor/amoris

1 . Amor/amoris

Cada um de nós guarda num cantinho da memória a história de um ou vários amores que ficaram no passado.

Assim como os jardins de nossa infância nos parecem de tamanho diminuto quando, adultos, os revisitamos, também os velhos amores nos assombram quando tirados de seu sono. A realidade substitui o sonho, os diferentes caminhos seguidos constroem outras verdades, e estas se mostram implacáveis na destruição de nossas fantasias.

Conheci uma senhora, bem casada (seja lá o que isso possa significar), marido carinhoso, filhos adolescentes, a quem foi dada a notícia de que seu primeiro namorado, agora viúvo, enfrentava grave doença. Alarmada com a situação do moço que um dia a fizera sonhar, preocupada com a possibilidade de ter ele que enfrentar sozinho o tratamento, a jovem senhora abandonou casa e família, embalada por suas lembranças.

Outra cidade, amigos distantes, sua referência era agora o amor que ela pensava reencontrar. Os anos, porém, não haviam reconfigurado apenas os traços do homem que ela teimava procurar, mas também sua mente e seus valores – que em nada combinavam com a visão de mundo que agora norteava suas ações. Deixou-o, depois de algum tempo, despedindo-se de suas ilusões.

Sozinha, acabou por adoecer gravemente na cidade desconhecida. Restavam-lhe apenas arrependimento e saudade. As noites mal dormidas eram povoadas da lembrança do mundo que ela mesma escolhera abandonar.

Num gesto incomum, no entanto, foi-lhe ao encontro e a acolheu afetuosamente, dando-lhe proteção, o marido que ficara para trás.

Situação igualmente dolorosa viveram Lúcia e Antônio: primos, juntos cresceram em uma pequena cidade do interior, juntos colheram frutas ainda verdes nas árvores da vizinhança e as comeram escondidos, juntos riram das peças aplicadas nos irmãos, juntos choraram os joelhos ralados e os castigos recebidos.

Adolescentes, descobriram que se amavam intensamente, sonharam e fizeram planos para o futuro. As situações familiares, o tempo, a vida, acabaram por separá-los: ela foi morar num grande centro, ele continuou na cidadezinha natal.

Em suas diferentes realidades, viveram novos romances, cultivaram novos amores, exerceram suas atividades, responderam aos chamados que o mundo adulto impõe a cada dia.

Ela aprendeu a viver na grande metrópole e a enfrentar seus desafios: refinou seus hábitos, frequentou teatros e oficinas, aprendeu idiomas estrangeiros, habituou-se a restaurantes elegantes.

Ele se tornou um homem forte, conduzia o gado, enfrentava tormentas. Membro conhecido na comunidade, participou dos campeonatos de bocha, frequentou os salões e as festas da igreja. Nas muitas viagens feitas a trabalho, dormiu nos hotéis de estrada e comeu nos restaurantes do caminho.

O tempo passou e um dia eles se reencontraram: a paixão voltou a pulsar, e eles quiseram ficar juntos. Essa decisão só lhes trouxe sofrimentos: nada mais os unia, suas preferências, seus costumes, até seus gestos os afastavam. As pessoas que eles eram agora machucavam uma à outra, e eles tiveram que se despedir. Sobraram a mágoa e a tristeza.

Pois é, teve um grande amor? Guarda uma doce lembrança? Deixe quieto num canto do coração. Essa lembrança pode até dar força para continuar nos momentos difíceis, mas não deve ser tirada de onde deve ficar: lá no passado, que é o seu lugar.

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