Era dos robôs está chegando e vai eliminar milhões de empregos

Era dos robôs está chegando e vai eliminar milhões de empregos

(Aqui você encontra o texto completo. Vale a pena a leitura.)

Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e autor do livro “Robô: ruim com ele, pior sem ele”

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

 

 

 

  1. Em breve um robô vai lhe entregar a pizza de domingo. Talvez seu condomínio não exija que você desça até a portaria para apanhá-la, pois não vão suspeitar que possa ser um assalto. Na Alemanha, esse serviço já está funcionando — e a pizzaria é uma rede que atua no Brasil.
  2. Mas isso é pouco: logo essa pizza será resultado de um processo totalmente automatizado. Se você acha que esse cenário pertence à ficção, ou que vai demorar muitos anos até ele se tornar realidade, pesquise sobre a americana Zume Pizza. Situada no Vale do Silício, a casa entrega comida feita por robôs. E o pior é que os consumidores da Califórnia têm adorado a novidade.
  3. Pior por quê? Porque é enorme a quantidade de empregos que será eliminada. Alguns poderão afirmar que esses postos de trabalho demandam baixa qualificação e que o importante é aumentar a produtividade — no caso, a das pizzarias.
  4. O argumento perde metade de sua força quando se sabe que, na mesma Califórnia da pizza robotizada, quem se envolve em problemas de trânsito não depende mais de advogados para apresentar recursos. Um dos maiores fabricantes de computadores criou um robô, baseado em inteligência artificial, capaz de elaborar petições para quem quiser recorrer de uma multa, por exemplo. O interessado não precisa dar um único telefonema, nem para o despachante, nem para o defensor.
  5. Exemplos como esses se reproduzem em todos os setores da economia mundial. Eles ilustram um processo novo e muito importante: as empresas se automatizam cada vez mais, com softwares poderosos e inteligência artificial, de tal modo que se expandem empregando número muito menor de trabalhadores.
  6. É o que os americanos chamam de jobless growth, crescimento sem empregos. Há muitos anos se previa que isso poderia acontecer — e agora a previsão virou realidade. Diante desse cenário, como a humanidade vai reagir?
  7. Rebeliões contra a mecanização ou a automação dos processos produtivos não são inéditas. Quando o arado passou a ser utilizado na agricultura e muitos trabalhadores perderam seus empregos, foi grande a oposição ao novo instrumento. Na Inglaterra do século 19, os ludistas [ludismofoi um movimento de trabalhadores que se uniram e revoltaram-se contra as máquinas no princípio da Revolução Industrial] destruíam os teares em sua revolta contra a substituição da mão de obra humana pelas máquinas. Nos Estados Unidos do século 20, Henry Ford foi considerado um grande inimigo dos manobristas de charretes.
  8. A tecnologia, contudo, sempre venceu. Por um lado, pois aumentava a produtividade da economia como um todo; por outro, e não se pode ignorar este fator, porque só afetava empregos de baixa qualificação.
  9. Aí está a diferença desta vez: agora os empregos de alta qualificação também são afetados — e muito. O mesmo robô que faz as vezes de advogado consegue ler mil tomografias por hora; os médicos que avaliaram seus diagnósticos e resultados concluíram que estavam certos em 99% das ocasiões. Ou seja, uma das profissões mais valorizadas e intelectualizadas hoje em dia está sob ameaça. Em suma, a classe média está saindo do paraíso.
  10. Wolfgang Streeck entra fundo nesse tema em seu livro How Will Capitalism End? (Como o capitalismo vai terminar?), editado pela Verso e lançado em 2016. Para o autor, a inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20. Ele afirma que os únicos beneficiados serão os donos dos robôs.
  11. Assim como foi chamado de mecanização o processo de substituição da mão de obra menos qualificada por máquinas, que se desenrolou no final do século 19 e durante praticamente todo o século 20, Streeck cunhou o termo “eletronização” para denominar essa nova fase, na qual computadores e robôs passam a ser dotados de competência para criar e desenvolver tarefas cognitivas simplificadas, além de tomar algumas decisões. No século 21, a eletronização deve afetar a maior parte das atividades profissionais. A maior parte, mas não todas. Ao que tudo indica, algumas profissões nos extremos estão a salvo.
  12. Estudos mostram que pessoas em funções no topo da pirâmide, que em geral demandam criatividade e capacidade de solucionar problemas, não têm o que temer. As máquinas ainda não conseguem desempenhar tais tarefas com a mesma eficácia. Estão nessa categoria certos ramos da engenharia e das ciências, por exemplo.
  13. Algo semelhante se passa na outra ponta. Trabalhadores manuais sem qualificação nenhuma, como faxineiros ou pedreiros, tampouco serão afetados — não porque a tecnologia não os tenha alcançado, mas por não valer a pena economicamente.
  14. Entre os extremos, as funções mais sujeitas a serem eliminadas são as que exigem repetição. Importa pouco que seja uma atividade fabril ou de serviços, que envolva operários ou profissionais liberais. A questão é: quanto mais rotineira for uma profissão, maior a chance de ela desaparecer — mesmo que demande algum brilho cognitivo.
  15. […]
  16. O recém-falecido cientista Stephen Hawking era um dos estudiosos da inteligência artificial que mais se preocupavam com as consequências negativas dessa tecnologia. Ele chegou a antever o fim da raça humana como decorrência do poder incontrolável que as máquinas passarão a deter.
  17. A mesma posição vem sendo manifestada pelo visionário Elon Musk, fundador da Tesla (uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo) e da SpaceX, empresa que pretende pôr um homem em Marte nos próximos dez anos. Musk defende a criação de uma espécie de órgão regulador com a função de prevenir situações futuras em que equipamentos dotados de inteligência artificial poderiam ameaçar a sobrevivência de humanos.
  18. Quanto a isso, assim como em relação à ameaça do crescimento sem empregos, a situação também termina em paradoxo. Uma empresa ou um país que resolver frear o desenvolvimento tecnológico para evitar uma catástrofe — tanto quanto para evitar a extinção de postos de trabalho— acabará perdendo competitividade nacional e internacional.
  19. Como consequência, essa empresa ou esse país se verá às voltas com o desemprego (fruto da diminuição da fatia de mercado decorrente da menor competitividade) e não terá interrompido a escalada tecnológica de outras empresas ou outros países.
  20. Apesar de todos estes aspectos assustadores, o que há de pior para um país é não discutir o assunto. E é justamente isso o que acontece no Brasil […].

 

Na observação do texto acima, o que primeiro se destaca é o perfeito encadeamento dos parágrafos (conexão), cuidado que garante não só continuidade na apresentação dos fatos e dos argumentos, como também coerência e unidade ao todo.

Para que você possa melhor acompanhar os recursos utilizados, assinalamos em amarelo os termos que remetem ao argumento ou relato apresentado no parágrafo anterior, aprofundando-o, explicando-o ou trazendo novos dados ao que já foi apontado. Em azul, destacamos o trecho cuja mensagem será fortalecida por um novo fato no parágrafo seguinte ou que serve de motivo para uma continuidade. Contribui para esse encadeamento o emprego dos demonstrativos esse, essa, isso, que apontam para algo já dito, já apresentado.

Vamos observar o desenvolvimento desse ensaio, extraindo a ideia básica enfocada em cada parágrafo:

  1. Apresentação de um fato: pizza entregue por robôs.
  2. Novo fato: pizza feita por robôs.
  3. Empregos eliminados x maior produtividade.
  4. Na Califórnia robôs dispensam advogados em multas de trânsito.
  5. Softwares poderosos e inteligência artificial dispensam um grande número de empregados.
  6. Crescimento sem empregos. Reação?
  7. Rebeliões sempre aconteceram.
  8. A tecnologia sempre venceu. Só afetava empregos de baixa qualificação.
  9. Com a robotização, empregos de alta tecnologia também são afetados.
  10. A inteligência artificial e a robotização vão fazer com a classe média o que a mecanização fez com a classe trabalhadora nos séculos 19 e 20.
  11. Algumas profissões nos extremos estão a salvo.
  12. Funções no topo da pirâmide (a salvo).
  13. Funções sem nenhuma qualificação – a salvo, por não valer a pena economicamente substituí-las por robôs.
  14. Atividades rotineiras = grande possibilidade de desaparecer.
  15. (Parágrafos que não foram reproduzidos).
  16. Stephen Hawking – preocupação com o fim da espécie humana.
  17. Elon Musk – igual preocupação.
  18. Como resolver? Frear o desenvolvimento tecnológico = perda de competitividade.
  19. Resultado: desemprego sem conseguir deter a robotização.
  20. Assustador é não discutir o assunto.

Feldmann inicia seu artigo apresentando o emprego de robôs como entregadores de pizza e termina num alerta para a necessidade de se discutir o assunto da robotização. Aquilo que, num primeiro momento, pode despertar surpresa – o robô substituir o trabalho humano – vai-se mostrando fato comum e adquirindo contornos assustadores. O crescendo na exposição dos fatos, apoiado em publicações e em nomes de cientistas reconhecidos, confere credibilidade ao texto e envolve o leitor na preocupação que o autor revela. Essa credibilidade é reforçada pela escolha do vocabulário e dos argumentos.

Destaca-se no texto o uso dos tempos verbais: presente e futuro do indicativo, quando o autor apresenta fatos; presente do subjuntivo, para ressaltar hipóteses; pretéritos, nas narrativas; tempos compostos e locuções, ao se referir ao passado ou futuro num sentido de continuidade – de processo em andamento.

O importante, em uma leitura ou interpretação, é seguir/perseguir a intenção do autor. Não podemos fazer uma interpretação baseando-nos em leituras de outros textos ou no conhecimento que já temos sobre o assunto. Esse conhecimento anterior deve nos ajudar a melhor entender o que lemos e não interferir na interpretação. Interpretamos o que ali se apresenta, acompanhando os recursos que o autor empregou para expor sua matéria. É esse olhar sobre o que ali está dito que nos leva a um bom entendimento.

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