A organização do texto

A organização do texto

A fala e também o texto escrito constituem-se não apenas numa sequência de palavras ou de frases. A sucessão de coisas ditas ou escritas forma uma cadeia que vai muito além da simples sequencialidade: há um entrelaçamento significativo que aproxima as partes formadoras do texto falado ou escrito. Os mecanismos linguísticos que estabelecem a conectividade e a retomada e garantem a coesão são os referentes textuais. Cada uma das coisas ditas estabelece relações de sentido e significado tanto com os elementos que a antecedem como com os que a sucedem, construindo uma cadeia textual significativa.

Essa coesão, que dá unidade ao texto, vai-se construindo e se evidencia pelo emprego de diferentes procedimentos, tanto no campo do léxico, como no da gramática. (Não esqueçamos que, num texto, não existem ou não deveriam existir elementos dispensáveis. Os elementos constitutivos vão construindo o texto, e são as articulações entre vocábulos, entre as partes de uma oração, entre as orações e entre os parágrafos que determinam a referenciação, os contatos e conexões e estabelecem sentido ao todo.)

Cuidados com a organização do texto, observadas a unidade, a coerência, a clareza e a concisão permitem que se perceba o texto como um todo bem articulado.

A preocupação com a organização determina e orienta a estrutura de um texto em torno de uma ideia central. A forma de ordenação como também a combinação de formas de ordenação escolhidas se submetem a essa ideia central. É preciso que se atente para a organização do texto no seu todo e em cada uma das partes.

Assim, até mesmo a posição dos termos dentro de uma oração (ou a ordenação das orações no período e no parágrafo) conduzirá o leitor à percepção da importância maior ou menor de um fato ou de um argumento.

Para ir buscar a cumplicidade do leitor, o redator emprega recursos que também usamos na fala, quando é a emoção que determina a forma pela qual iniciamos um pensamento. Ninguém diria numa hora de perigo iminente: “Gostaria que você me socorresse.” Gritaria simplesmente: “Socorro!” Da mesma forma, havendo uma criança caído no rio, não diríamos: “Eu vi uma criança cair no rio.” Avisaríamos, aos berros: “No rio, no rio, uma criança!” É essa coisa instintiva, que nos leva a valorizar o mais urgente, que faz com que, ao redigirmos, coloquemos sempre a estrutura frasal a serviço do objetivo do texto.

O mesmo cuidado se encontra na disposição dos períodos no parágrafo e dos parágrafos no todo do texto. Os pensamentos vão-se organizando dentro de uma ordenação não só fiel ao que o autor deseja comunicar a seu leitor, mas também capaz de envolvê-lo na emoção da leitura.

Necessário é encontrarem-se as relações do todo com cada uma das partes que o compõem. É esse encadeamento o elemento capaz de transformar em concatenação a cadeia de sucessividades.

A preocupação com a unidade obriga a que todas as ideias contidas no texto se relacionem com a ideia central e sejam relevantes para sua apresentação e desenvolvimento. A seleção e a ordenação das ideias e dos parágrafos seguem uma ordem escolhida pelo autor com o objetivo de conduzir seu leitor dentro do todo que deseja apresentar. A sequência dos pontos apresentados e sua inter-relação são acentuadas pela escolha de termos adequados para a transição, estabelecendo, assim, coerência interna ao texto.

As ideias já abordadas são retomadas com o emprego dos referentes e das conexões textuais que garantem coesão e unidade do texto. Ao se construir, um texto vai construindo uma rede de informações contextuais e de articulações que materializam para seu leitor o enunciado. Por intermédio das palavras de que se constitui, o texto recria para seu leitor a realidade que o referencia. Convém que sejam destacadas, dentre os elementos referenciais considerados, as referências contidas no universo do discurso, ou seja, necessário é considerarem-se as categorias constantes de contextos sintáticos, morfológicos, gramaticais, que compõem o universo do discurso e que, ao serem empregadas estabelecem referências e relações.

Considere-se, também, que o sentido de um texto não é construído apenas por seu produtor, mas compartilhado com o leitor/receptor, cujos conhecimentos são necessários para a interpretação. Contando com essa participação, com a capacidade de pressuposição e inferência de seu leitor, é que o organizador do texto elabora sua rede de conceitos e relações.

A coerência de um texto é consequência de sua lógica interna construída na relação entre os segmentos constitutivos do texto e entre cada um dos segmentos com seu todo. Essa interligação significativa dos elementos constitutivos de um texto, entre si e em relação ao todo, depende, em grande parte, da intenção de quem comunica, do plano mais amplo e geral anterior à organização do texto.

Segundo Elisa Guimarães, a organização de um texto vale-se das relações lógicas e das relações de redundância.

Enquanto as relações lógicas são responsáveis pela organização do texto e por seu desenvolvimento, as relações de redundância responsabilizam-se pela fixação do tema, na realização do texto, por meio da repetição desse tema ou informação fundamental (iteratividade). “Os mecanismos de repetição favorecem o desenvolvimento temático, permitem um jogo regrado de retomadas a partir do qual se fixa um fio textual condutor.[1]

As relações lógicas e as relações de redundância se estabelecem por meio de uma rede de relações em que um elemento anuncia o elemento subsequente e é, ao mesmo tempo, por ele determinado. Nessa inter-relação que se estabelece delineia-se a configuração do texto e nela se desenham as partes que o constituem. Cabe ao leitor operar os reagrupamentos que permitirão descortinar os elementos constitutivos e determinar seu sentido central.

E constata-se que o sentido do texto não se encerra nos limites de uma ou mesmo de várias unidades; antes, constrói-se por seu jogo múltiplo e mútuo, resultando a coerência do texto da sintonia entre as relações lógicas e as relações de redundância.[2]

A articulação de um texto, revelada pela presença das características que o fazem um todo complexo e coerente, é garantida pelas relações das unidades textuais na composição de sua estrutura. É a rede de relações que garante ao texto a coesão e a unidade necessárias a essa perfeita articulação.

As práticas intertextuais relacionam o texto com outros textos. Cria-se uma rede de inter-relações em substituição à leitura linear. Prática comum, por exemplo, lembrada por Elisa Guimarães, é o emprego da citação, que pode fazer-se em forma de:

ilustração (função puramente enriquecedora e secundária);

epígrafe (apresenta forte vinculação ao assunto desenvolvido no texto, representando muitas vezes o registro do tema do próprio texto);

função conclusiva (apresenta a síntese que traduz a obra).

A citação, ao efetuar a articulação do texto com outros textos e contextos, estabelece o trabalho de assimilação, que, juntamente com o de transformação, apresenta-se como essência da intertextualidade. [3]

Atenção especial concentram os procedimentos que garantem ao texto coesão e coerência. São esses procedimentos que desenvolvem a dinâmica articuladora e garantem a progressão textual.

A coesão é a manifestação linguística da coerência e se realiza nas relações entre elementos sucessivos (artigos, pronomes adjetivos, adjetivos em relação aos substantivos; formas verbais em relação aos sujeitos; tempos verbais nas relações espaço-temporais constitutivas do texto etc.), na organização de períodos, de parágrafos, das partes do todo, como formadoras de uma cadeia de sentido capaz de apresentar e desenvolver um tema ou as unidades de um texto. Construída com os mecanismos gramaticais e lexicais, confere unidade formal ao texto.

  1. Considere-se, inicialmente, a coesão apoiada no léxico. Ela pode dar-se pela reiteração, pela substituição e pela associação.

É garantida com o emprego de:

  • enlaces semânticos de frases por meio da repetição. A mensagem-tema do texto apoiada na conexão de elementos léxicos sucessivos pode dar-se por simples iteração (repetição). Cabe, nesse caso, fazer-se a diferenciação entre a simples redundância resultado da pobreza de vocabulário e o emprego de repetições como recurso estilístico, com intenção articulatória;
  • substituição léxica, que se dá tanto pelo emprego de sinônimos como de palavras quase sinônimas. Considerem-se aqui, além das palavras sinônimas, aquelas resultantes de famílias ideológicas e do campo associativo, como, por exemplo, casa, domicílio, habitação, lar, mansão morada, residência, teto, vivenda [4]; esvoaçar, revoar, voar;
  • hipônimos (relações de um termo específico com um termo de sentido geral, ex.: gato, felino) e hiperônimos (relações de um termo de sentido mais amplo com outros de sentido mais específico, ex.: felino, gato);
  • nominalizações (quando um fato, uma ocorrência, aparece em forma de verbo e, mais adiante, reaparece como substantivo, ex.: consertar, o conserto; viajar, a viagem). É preciso distinguir-se entre nominalização estrita generalizações (ex.: o cão < o animal) e especificações (ex.: planta > árvore > palmeira);
  • substitutos universais (: João trabalha muito. Também o faço. O verbo fazer em substituição ao verbo trabalhar);
  • enunciados que estabelecem a recapitulação da ideia global. Esse enunciado é chamado de anáfora conceptual [5]. Todo um enunciado anterior e a ideia global que ele refere são retomados por outro enunciado que os resume e/ou interpreta. Com esse recurso, evitam-se as repetições e faz-se o discurso avançar, mantendo-se sua unidade: Viagens, festas, homenagens, nada o interessava.
  1. A coesão apoiada na gramática dá-se no uso de:
  • certos pronomes (pessoais, adjetivos ou substantivos). Destacam-se aqui os pronomes pessoais de terceira pessoa, empregados como substitutos de elementos anteriormente presentes no texto, diferentemente dos pronomes de 1ª e 2ª pessoa que se referem à pessoa que fala e com quem esta fala.
  • certos advérbios e expressões adverbiais;
  • artigos;
  • conjunções;
  • numerais;
  • elipses. A elipse se justifica quando, ao remeter a um enunciado anterior, a palavra elidida é facilmente identificável (Ex.: O jovem recolheu-se cedo. … Sabia que ia necessitar de todas as suas forças. O termo o jovem deixa de ser repetido e, assim, estabelece a relação entre as duas orações.). É a própria ausência do termo que marca a inter-relação. A identificação pode dar-se com o próprio enunciado, como no exemplo anterior, ou com elementos extraverbais, exteriores ao enunciado. Vejam-se os avisos em lugares públicos (ex.: Perigo!) e as frases exclamativas, que remetem a uma situação não-verbal. Nesse caso, a articulação se dá entre texto e contexto (extratextual);
  • as concordâncias;
  • a correlação entre os tempos verbais.

Os dêiticos exercem, por excelência, essa função de progressão textual, dada sua característica: são elementos que não significam, apenas indicam, remetem aos componentes da situação comunicativa. Já os componentes concentram em si a significação. Referem os participantes do ato de comunicação, o momento e o lugar da enunciação.

Elisa Guimarães ensina a respeito dos dêiticos:

Os pronomes pessoais e as desinências verbais indicam os participantes do ato do discurso. Os pronomes demonstrativos, certas locuções prepositivas e adverbiais, bem como os advérbios de tempo, referenciam o momento da enunciação, podendo indicar simultaneidade, anterioridade ou posterioridade. Assim: este, agora, hoje, neste momento (presente); ultimamente, recentemente, ontem, há alguns dias, antes de (pretérito); de agora em diante, no próximo ano, depois de (futuro). [6]

Maria da Graça Costa Val lembra que “esses recursos expressam relações não só entre os elementos no interior de uma frase, mas também entre frases e sequências de frases dentro de um texto[7].

Não só a coesão explícita possibilita a compreensão de um texto. Muitas vezes a comunicação se faz por meio de uma coesão implícita, apoiada no conhecimento mútuo anterior que os participantes do processo comunicativo têm da língua.

[1] GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2000, p. 24.

[2] Idem, ibidem, p. 25.

[3] Idem, ibidem, p. 25.

[4] CUNHA, Celso. Manual de Português, 3ª e 4ª séries. Rio: São José, 1964, p. 166, apud GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna, 19 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 196.

[5] GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2000, p. 32.

[6] GUIMARÃES, Elisa. A articulação do texto. São Paulo: Ática, Série Princípios, 8 ed., 2000, p.9-10.

[7] COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2 ed.,1999, p.6.

 

 

 

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