19. Medo?

19. Medo?

“Medo? Eu? Estás brincando!”
“Como posso ter medo de fantasmas, se não acredito em céu, inferno,
eternidade? Além do mais, o medo é produto de nossa mente supersticiosa.
Preferimos acreditar no mágico e não no real.”
“Não, querida, tenho medo é dos vivos, que são traiçoeiros.”


 

Em meu último aniversário, recebi de meu marido um buquê de rosas
vermelhas. Encantada com o gesto e com a beleza das rosas, resolvi mantê-
las na decoração da sala. Com cuidado, deixei-as secar. Depois, com
detalhes de capim e de trigo, teci um delicado arranjo. Completei o trabalho
com alguns tons de metal velho esparzidos um tanto ao acaso sobre as
pétalas.

Ao calor da tarde, sucedia uma noite abafada sacudida por raios e trovões.
A iluminação da casa era interrompida a cada passo, num vai e vem
irritante e sem solução imediata.
Acomodei-me sentada no escuro da sala.
A luz do corredor incidia no tampo do balcão e nas flores que há semanas
eu ali colocara. A irregularidade da luz criava a ilusão de movimentarem-se
os objetos. O arranjo que eu tecera parecia assumir outra natureza: as rosas
desidratadas me olhavam como corpos a que não se deu sepultura, múmias
prontas a adquirir vida e, num ritual macabro, começar a andar pela sala
para retomar o viço que lhes fora roubado.

Um arrepio subiu-me pelas costas, desviei os olhos. Voltei a olhar, a
impressão se intensificando.

Depois de algum tempo, a chuva amainou e a energia elétrica tornou-se
estável. Pareceu-me, então, ver uma boca sorridente que saía do buquê e
dançava com o reflexo luminoso. Lentamente fui até o balcão e fixei meu
olhar nas flores agora imóveis. Tudo estava como sempre. Mesmo assim…

Mesmo assim, com cuidado, peguei as flores secas com a ponta dos dedos e
fui enterrá-las no fundo do quintal.

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