15. A mãe desnecessária

15. A mãe desnecessária

“A boa mãe é aquela que vai se tornando
desnecessária com o passar do tempo.”

 

– Mamãe, vou morar com a Angelina. Já alugamos uma casa e estamos nos organizando.

A notícia surpreende. Ontem ainda o filho pedira para você ir com ele ao laboratório (desde pequeno, laboratórios o assustavam), e agora, vai mudar de casa!?

Minha querida, você não notou, mas ele há tempos abandonou o ninho. Agora só completa a saída física. Lembra-se daquele aniversário em que ele avisou à família que ia comemorar com os amigos? E daquele Natal em que ele foi para a casa da mãe da namorada do irmão do vizinho, dizendo ser mais divertido do que passar com a família? E de quando você fez cinquenta anos e todos os amigos vieram para comemorar? Onde ele estava? Numa pousada com os colegas da Faculdade saudando a primavera. Minha amiga, ele saiu há muito tempo: você não quis perceber os sinais.


Filho precisa sair da casa paterna para realizar seus próprios projetos. Mas isso vai se fazendo lentamente. Ele vai ganhando coragem aos poucos, testando suas forças, tateando o chão. Os amigos são elementos fundamentais nesse ritual. É com eles e para eles que o “nosso” filho arrepia as penas para se mostrar adulto, ou quase. Inescapável e sofrida (para você) é aquela cena em que ele expulsa o pai/a mãe e sua carona habitual enquanto diz baixinho: “Me espere depois da esquina” (Todos os nossos filhos fizeram isso.). Depois, a carona se torna realmente castradora, a menos que você carregue todo o bairro em seu carro e aprenda a reconhecer como isso é divertido. Então, todos eles resolvem voltar para casa de ônibus e levam junto sua diversão.

A vida em família já fora abandonada há tempos, justo no momento em que ele pendurou na porta do quarto um cartaz dizendo “Bata antes de entrar”, disfarçado, às vezes, de “Gênio estudando” ou algo semelhante. A força desse cartaz, a par de manter a privacidade a que agora tem direito, é comunicar: “Estou indo. Não quero nenhum familiar aqui”. Interessante ver como os familiares passaram a incomodá-lo: a irmãzinha, até poucos dias, sua alegria e seu mascote, tornou-se intolerável. Os pais? Invasores. Bisbilhoteiros. “Não me compreendem.”

Mas você, anestesiada em seu papel de mãe, tem estado distraída. Quando na rua, você sempre segurou sua mão com firmeza enquanto mostrava a ele os sinais do trânsito, as faixas de pedestre, as diferentes reações dos passantes, a necessidade de observar o espaço. E, num certo momento, ele largou sua mão e saiu correndo. Você atrás, suando, já imaginando encontrá-lo atropelado, e lá estava ele esperando o sinal abrir, mostrando que aprendera a lição. Sim, ele já estava saindo, desprendendo-se.

Houve aquele momento – talvez você tenha esquecido – em que ele acordou e escolheu a roupa com que queria sair e insistiu em se vestir-sozinho. E lá foram vocês para a festinha do colega: camiseta do avesso, calça comprida, gorro, num calor de 42 graus. Ele já não dependia das escolhas que você fizesse, vinha se tornando independente.

– Mamãe, pode sair. Eu vou tomar banho sozinho.

– Mas eu quero lavar tua cabeça!

– Eu sei lavar. Pode deixar.

Meia hora depois, ele apareceu, arrastando a toalha presa na cintura, os cabelos empapados de xampu, nos lábios o mais lido sorriso de vitória. Você riu, alegre, e não percebeu que ele estava escapando.

Houve aquele dia em que ele se apoderou do garfo e da faca, empurrou sua mão e começou a comer. Nunca mais aceitou ajuda, para alegria do cãozinho que sempre o acompanhava. E você ficou tão orgulhosa que nem notou o gesto de independência que ali se manifestava.

Teve também aquela fase da birra, da teimosia. Difícil para você; essencial para ele. Por quê? Ora, eram seus primeiros movimentos de liberdade e afirmação!

Ah! Não se esqueça daquele instante inicial, enquanto ele terminava de nascer e lhe cortavam o cordão umbilical. Acho que ele chorou muito, não só pelo processo do nascimento, mas principalmente para deixar claro que ali se libertava um sujeito que sabia muito bem o que queria.

Mamãe, ele nunca pertenceu a você! Você apenas o ajudou a crescer.

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